"Dollhouse", apresentado em antestreia mundial, é o filme vencedor da competição de cinema fantástico no festival portuense e promete vir a tornar-se num clássico do "J-horror".
Desde que, há pouco mais de 10 anos, a boneca Annabelle se tornou um ícone imediatamente reconhecível no universo do terror que o mito da boneca que ganha vida (tão antigo como o próprio terror cinematográfico) voltou à moda. Com Dollhouse, do japonês Shinobu Yaguchi, grande vencedor da edição deste ano do Fantasporto, que encerrou a sua edição número 45 no sábado no Porto, este mito faz a sua entrada em grande no universo do J-horror.
O filme é uma produção da gigante Toho que fez aqui a sua antestreia mundial, deslocando ao Porto uma equipa de mais de 20 pessoas e recebendo uma ovação de pé de mais de 10 minutos. Um casal perde a filha de cinco anos num acidente doméstico e decide comprar uma boneca realista que ajuda a colmatar a ausência da menina morta. Esquecida durante anos depois de o casal ter tido uma segunda filha, a boneca é reencontrada pela nova filha da família, que acaba por estabelecer com ela uma relação de dependência doentia.
Dollhouse acaba por se enquadrar em todos os cânones do terror clássico e suplantou, na decisão do júri da competição de cinema fantástico, produções mais arrojadas como Prédio Vazio, a nova orgia de sangue do brasileiro Rodrigo Aragão (que a organização do festival considera o principal sucessor de José Mojica Marins como mestre do terror brasileiro) ou ainda o norte-americano Succubus (RJ Daniel Hanna), um conto moderno sobre a dependência das redes sociais e os online. Segundo as notas do júri, Dollhouse tem "uma realização notável, oferecendo uma exploração pungente e inesquecível da vulnerabilidade humana".
É certo que o festival portuense se tem vindo a afirmar como montra do cinema asiático, em particular japonês, na Europa. Com três vencedores japoneses nas últimas cinco edições, estará o Fantasporto a tornar-se demasiado centrado no país do Sol nascente? Beatriz Pacheco Pereira, fundadora e diretora do festival, dá-nos uma resposta: "Não priveligiamos os filmes japoneses, aliás temos tantos filmes japoneses como europeus em competição. A verdade é que a produção japonesa tem sido fortíssima nos últimos anos, nomeadamente no campo do cinema fantástico, e é normal que isso se reflita nos prémios". Mário Dorminsky, que juntamente com Beatriz Pacheco Pereira dirige o festival desde a sua fundação em 1981, acrescenta que o destaque que o festival dá à cinematografia nipónica se reflete também no prestígio que o Fantsasporto alcançou no Japão, onde é referido como "um dos três principais festivais mundiais na área do fantástico, a par de Sitges e Bruxelas".
Cielo não é o limite
Se Dollhouse alcançou o prémio cimeiro, o outro grande vencedor foi Cielo, uma produção britânica realizada pelo espanhol Alberto Sciamma e inteiramente rodado na Bolívia. Com "uma cinematografia fabulosa e uma paleta intencional e marcante, enriquecida pela paisagem árida da Bolívia", nas palavras do júri, o filme maravilhou pela componente visual tanto o público como os jurados, tendo arrebatado o Prémio Especial do Júri, o Prémio de Melhor Fotografia e o Prémio do Público. "Este filme afirma-se como um dos filmes de fantasia mais originais e hipnotizantes dos últimos anos", acrescenta o júri.
"O filme nasceu com duas imagens mentais", conta à Euronews o realizador Alberto Sciamma. "Nessas imagens, via uma menina a engolir um peixe e a empurrar um carrinho, com o corpo da mãe, pelo deserto. Não tinha qualquer história delineada. Apenas comecei a imaginar a história quando viajei até à Bolívia na companhia do produtor John Dunton-Downer e da pianista Ana-Maria Vera, que foi quem me convenceu a rodar na Bolívia". "O fime deve muito a toda a equipa boliviana, em especial à jovem atriz de apenas oito anos Fernanda Gutierrez Aranda. Toda a equipa técnica e atores, à exceção de mim próprio, dos produtores e do diretor de fotografia, foi contratada na Bolívia, e o trabalho deles foi excelente e decisivo para o resultado final do filme", acrescenta o realizador.
Índice de felicidade
Se todos os humanos fossem obrigados a ter impresso no pescoço um índice de felicidade de entre 0 e 99, como diz a permissa da curta-metragem húngara Happy People, vencedora do prémio de melhor curta de cinema fantástico, a que índice corresponderia estar às compras no mercado em Budapeste num sábado de manhã, receber a notícia do prémio e estar nessa mesma noite no Porto para o receber?
"Corresponde a um índice de 98", diz o casal formado por Balázs Budavári (realizador) e Angéla Eke (atriz). "Só não é de 99 porque o resto da equipa não pôde estar presente", contam. O casal, que prepara a sua primeira longa-metragem, escolheu o Porto para a antestreia mundial da curta.
Cinema português com honras de abertura
Se não participa como argumentista nem cineasta, Luís Diogo marca sempre presença no Fantasporto, cada ano, pelo menos como espetador. O seu anterior filme, Uma Vida Sublime, tornou-se no filme português mais premiado de sempre.
Sendo um habitué, não é de espantar que a organização tenha convidado Luís Diogo para abrir o festival com o mais recente filme, Criadores de Ídolos, presente tanto na competição de cinema fantástico como na de cinema português, em que acabou por arrebatar o prémio de melhor filme.
O filme parte de uma das muitas ideias que Luís Diogo vai tendo: e se uma sociedade secreta andasse a ass celebridades pelo mundo fora, com o intuito de os tornar ídolos universais e assim perpetuar o conceito de ídolo criado por Sócrates? Sofia é recrutada para esta sociedade secreta pelo pai e pelo avô. Tem como missão ass um cantor famoso, com cujo irmão acaba por se envolver. Coseguirá levar a cabo esta macabra missão?
Criadores de Ídolos tem já distribuição garantida em Portugal no próximo outono. No entanto, Luís Diogo confessa à Euronews que não é fã do cinema português nem escreve os filmes com o intuito de serem filmados em Portugal: "Escrevo sempre primeiro um argumento que possa ser filmado nos Estados Unidos", conta. "Depois acabo por adaptá-los à realidade portuguesa".
Ainda relativamente à participação portuguesa, é de destacar a presença de outro habitué do Fantasporto, José Pedro Lopes (A Floresta das Almas Perdidas) na coletânea luso-brasileira Histórias Estranhas 2, apresentada fora de competição, em que é o único participante português, no meio de seis cineastas brasileiros, incluindo o já citado Rodrigo Aragão, também ele uma presença habitual no Fantas, que entra nesta edição em dose dupla. "Comecei a vir aqui em adolescente, como espetador", diz José Pedro Lopes à Euronews. "Por isso, é normal que seja um grande prazer vir aqui como cineasta". Foi, aliás, no festival que José Pedro Lopes travou conhecimento com o organizador da coletânea, Ricardo Ghiorzi.
Semana dos Realizadores e Orient Express
Paralelamente à secção de cinema fantástico, o Fantasporto honra também o cinema de autor de todos os géneros, com a Semana dos Realizadores. Se, tal como na competição fantástica, o cinema japonês esteve em grande destaque, ao ganhar quatro dos seis prémios em liça, o prémio principal desta secção foi para Zero (EUA) de Jean-Luc Herbulot.
O primeiro prémio da secção Orient Express, dedicada ao cinema asiático, foi mais uma vez para um filme japonês, desta vez para River Returns, de Masakasu Kaneko.
O Frantasporto diz sayonara e até 2026. Veja no vídeo abaixo alguns dos melhores momentos da edição que agora acabou: